domingo, 1 de novembro de 2015

O FIM

                                           
                                                             


  Ela sempre estava ali, a elegante e bela senhora Isaura, apesar das rugas ostensivas dos seus quase noventa anos de vida, no mesmo banco da pequena praça, na hora sacra e solene do crepúsculo vespertino.
 Era a mais antiga moradora do bairro. Teve uma infância sofrível, pois perdera os pais num acidente automobilístico quando contava apenas quatro anos de idade. Sendo filha única, a partir de então, passou a ser criada pela avó materna.
Isaura Ingrid, esse era o seu nome. Desde criança parecia viver absorta num mundo só dela e nunca desejou casar-se. Foi aconselhada a internar-se num convento, mas descobriu que,apesar de sua costumeira introspecção, não tinha essa vocação religiosa.
Com a morte da avó, passou a contar apenas com as visitas diárias e alongadas de uma tia. Foi professora do ensino médio até aposentar-se, quando então, passou a fazer serviços voluntários em algumas instituições filantrópicas.
  Assim vivia dona Isaura Ingrid: não media esforços para levar solidariedade e dar aconselhamentos às pessoas, sejam elas quem fossem. Não tinha qualquer preconceito sobre religiões, sociabilidade ou raça de quem quer que seja.
 Chegava sempre alegre e, lentamente, aconchegava-se ao seu lugar favorito da praça, trazendo indizível ternura no olhar!
  O seu lugar preferido era sempre o mesmo, debaixo de frondosa árvore circundada por belos canteiros de floridos roseirais, onde havia também um pequeno espaço deserto coberto de areia, dando um perfil exótico e de certa solidão, em meio ao cenário festivo dos acrobáticos passarinhos e das flores e arvoredos.
  Ali se mantinha dona Isaura, desde o arrebol até o sol ajoelhar-se no horizonte, dando adeus a mais um dia.
  Frequentemente, pessoas de várias idades e de todos os níveis sociais lhe dirigiam a palavra e ela correspondia com esmero e invulgar cordialidade; e seu olhar parecia perder-se ora no infinito, ora na simplicidade natural do lugar. Era mesmo ali o local que escolhera para contatar-se com as pessoas, apreciar o romantismo crepuscular e, também, aprofundar-se em meditações da mais sublime introspecção.
  Certo dia, porém, aquela senhora de olhar claro e sorriso fácil, estranhamente, ficou pouco tempo no seu lugar habitual. Após olhar docemente em tudo ao seu redor, fixou os olhos mais intensa e profundamente no pequeno espaço vazio de areia que a circundava e, como a pressentir algo triste em sua vida, decidiu ir para casa, alegando não estar sentindo-se muito bem e deixando transparecer comovente tristeza na palidez do semblante.  Em vista da situação desfavorável, uma das frequentadoras do jardim a acompanhou até sua casa.
  Após a saída de dona Isaura, o movimento corriqueiro do local não permaneceu o mesmo. Os sorrisos dos frequentadores perderam o brilho, silenciou-se o cantar festivo dos passarinhos e até as flores pareciam ter perdido, cada qual, o seu viço.
  No dia seguinte, quando a natureza iniciava o seu rito crepuscular, a cidade tomou conhecimento do falecimento da bondosa senhora.
  Naquele dia nefasto, quando as últimas lanças coloridas do sol despediam-se da terra, no mesmo horário em que dona Isaura sempre se postava para o seu rito dial, apareceu misteriosamente no canteiro de areia, bem próximo ao banco onde ela costumeiramente ficava, uma linda rosa púrpura, como se tivesse sido colocada por alguém em homenagem póstuma àquela que tantos exemplos de humildade e sentimentos solidários havia deixado.
   Nada mais havia sobre a areia que fazia lembrar dunas desertas e tristes.
Apenas a rosa carmesim, esquecida e postergada, ali ficou sendo beijada pelo vento até seu perfume esvair-se na mesma proporção em que seus folíolos murchavam e morriam no melancólico final do crepúsculo, em que a bondosa senhora no dia anterior prenunciava o seu fim.



Autoria:  Antenor Rosalino

Imagem da internet









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