Os dias corriam sempre calmos e tranquilos na
casa do Belizário, um caminhoneiro muito estimado e conhecido no bairro
suburbano onde morava com a esposa Lucinda e seus dois filhos ainda crianças.
Belizário era extremamente trabalhador, muito
devotado à família e apaixonado por futebol. A sua vida pacata se resumia
principalmente apenas nisso: ao trabalho em cuja empresa trabalhava há muitos
anos, tendo se constituído num funcionário exemplar, assíduo em suas obrigações
e líder em potencial, apesar de sua pouca escolaridade, à família unida e
sempre feliz e em assistir os jogos do seu time favorito.
Não eram raras as vezes em que, em dias de
folga do trabalho, brincava alegremente com os filhos e parecia até mesmo uma
outra criança, em vista do seu jeito extrovertido e brincalhão de ser.
O elo afetivo que prendia o dedicado pai aos
filhos e vice-versa era exemplar e admirável. A esposa já havia se habituado ao
fato de ver a família atrasar-se para o almoço ou para o jantar, por conta das
brincadeiras entre o esposo e os filhos.
Num desses dias, porém, em que tudo parecia
festivo e a vida transcorria como num eldorado de sonhos, Belizário interrompeu
a brincadeira com os filhos, alegando não estar se sentindo bem. A atitude do
caminhoneiro entristeceu as crianças e preocupou Lucinda, pois Belizário nunca
havia se queixado, absolutamente, de nada. Pelo contrário, fazia sempre questão
de dizer que possuía saúde de ferro.
Sentaram-se todos ao redor de Belizário e,
após a sugestão da esposa para irem ao médico, o marido recusou-se de forma
veemente e, paulatinamente, foi melhorando o seu estado de saúde até que, tudo
enfim voltou ao normal.
No dia seguinte, logo após chegar ao
trabalho, subitamente, outro mal estar veio aborrecer e preocupar o
caminhoneiro. No serviço, julgando não ser conveniente contrariar o gerente da
empresa, seguiu o conselho deste e foi levado ao médico que solicitou vários
exames, já presumindo algo bem mais sério do que os familiares e amigos
pudessem imaginar.
Em poucos dias os exames foram concluídos.
Nesse ínterim, outro mal estar seguido de intensa dor veio atacar o caminhoneiro,
o que levou Lucinda a preocupar-se bem mais com o marido.
Enfim, de posse do resultado dos exames,
marido e mulher se dirigiram ao médico que, por sua vez, constatou ser o
Belizário possuidor de uma doença rara, denominada ELA – esclerose lateral
amiotrófica, cuja doença vai consumindo
o organismo do paciente em decorrência da degeneração da musculatura de forma
rápida e avassaladora.
E assim, o pobre caminhoneiro foi internado.
Durante esse período, a esposa foi alertada pelo médico de que, infelizmente,
Belizário teria pouco tempo de vida. E como nada mais poderia ser feito, após
uma rápida internção, deram alta ao pobre homem para que ele passasse, na
própria casa, ao lado da esposa e dos filhos, o pouco tempo de vida que lhe
restava.
O tempo transcorreu velozmente. As crianças
perderam a alegria característica dos
seus olhos vívidos postergaram as brincadeiras de rotina. A família vivia entre
penumbras tristes, na angustiosa expectativa do suspiro final de Belizário.
Causava dor a quem visse as duas crianças do casal presenciando o inevitável
definhamento do pai. Os olhos do mesmo se movimentavam como a desejar dizer
algo e a consciência permanecia intacta.
Numa tarde de verão, após intensa agonia,
Belizário, já sem fala, lançou um olhar significativo à dedicada esposa e aos
filhos e expirou.
Passados alguns dias, um pouco mais resignada
com tudo o que aconteceu, Lucinda encontrava-se na sala de estar com os filhos
quando, o mais novo, repentinamente, com ostensiva inocência no olhar assim
falou: “Mamãe, vou pedir para Deus me deixar morrer também, assim eu vou poder
ver o papai e brincar com ele no céu”.
Autoria:Antenor Rosalino
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