Há
um aspecto relutante entre a mórbida paixão e a amizade verdadeira, A paixão
tem perfil de posse. Os enamorados dominados pela volúpia do amor só têm olhos
para o seu bem querer, sufocando-o inconscientemente, e, aos poucos, vão se
frustrando na tentativa de moldar um ao outro a seu bel prazer.
Não me refiro aqui, aos enamorados que nutrem
em igualdade de condições, aquela paixão salutar, caracterizada pelo ardente
desejo de estar a maior parte do tempo possível com a pessoa amada, pelo prazer
da companhia e da cumplicidade. Eu falo da paixão exacerbada, que ultrapassa os
limites da sensatez e do espaço próprio, para tentar protelar o domínio pessoal
e restrito do outro.
A amizade, pelo contrário, é a essência
eterna da solidariedade. Não tem amarras de domínio, é liberta, é sentimento
nobre, isenta de interesses de reciprocidade. Gostamos dos nossos amigos e isso
basta. Emprestamos-lhes o ombro afável, quando lágrimas rutilantes brotam dos
seus olhos fatigados pelas adversidades. A ajuda, o consolo, estão sempre
presentes e, mesmo na alquimia da distância, o calor da amizade aquece o
coração e emite metafisicamente, raios de luz à pessoa amiga, em esperança de
recebê-la num dia qualquer, de repente, e ver a felicidade vívida aventar-se no
espaço, consumar-se em seu sorriso e comungar com nosso abraço.
Assim como há casos e histórias apaixonantes
de amores nascidos à primeira vista, é bem verdade também que, em muitos casos,
ao perdermos tempo com alguma pessoa pela qual nutrimos um sentimento real de
amizade, respeito e admiração, aos poucos a pessoa para a qual desejamos apenas
a sua felicidade, sem pensarmos em reciprocidade de sentimentos perceberá que,
surpreendentemente, passamos a representar muito para ela também, e não seria
surpresa ouvirmos da pessoa a quem tanto devotamos afeto, respeito e admiração,
a seguinte afirmação: “perdendo o seu tempo comigo, tornastes importante para mim”.
Portanto, numa análise clara da situação,
não se trata de perda de tempo, em caso de uma amizade aparentemente
unilateral, pelo contrário, esta é uma das mais admiráveis demonstrações de
carinhosa amizade que podemos demonstrar por alguém, sobrelevando-se ainda, que
não estará fora do contexto a afirmativa de que há tanta complexidade no amor e
nas coisas do coração, que somos capazes até mesmo de amar uma pessoa de quem
não vemos ou com a qual não temos maiores contatos.
Fundamentalmente, a amizade é isso: uma
desinteressada e afável solidariedade, cujo sentimento de tão nobre, até mesmo
pode transformar-se em amorável cumplicidade transcendental.
Antenor Rosalino