sexta-feira, 26 de abril de 2019

INTROSPECÇÃO



                                          
              


Inexplicável e sorrateiro vazio se fez em mim.
Mas não falarei das angústias que me afligem a alma.
Tampouco me deterei em lembranças funestas
Ou nas dores sentidas por caminhos íngremes de solidão.

Decidi ouvir, atentamente, a voz súplice do meu coração
Que, suave e brandamente preenche meus espaços vazios
Com centelhas envolventes de esperança e paz,
Num porvir distante de incompreensões e cárceres de dor.

Numa anunciação repentina de encantamento,
Em sutis reticencias de nostálgico pensar,
Não há dor na minha introspecção, e sim, lembranças,
Prazares vividos em ritmos de suaves canções.

Átimos diamantinos parecem aventar-se no espaço sideral.
Retiro do pergaminho da memória laivos de lágrimas silenciosas
E volvo os olhos para o céu imaginando ápices de paz universal.


                                                 Antenor Rosalino












                                                     

quinta-feira, 18 de abril de 2019

REDENÇÃO


                
                                   
                    

        Um cinza sombrio reveste a tarde.
        Os ventos sopram nos cântaros
        Disseminando o sândalo das flores viçosas
        Visualizo assim, em penumbras tristes,
        O holocausto de Cristo em seu último suspiro.

        Deixo minha alma flutuar no infinito
        Procurando guarida nas asas de anjos benditos.
        Quero retirar do meu íntimo as névoas difusas
        E refletir, ouvindo a voz da alma em ritos
        Sobre os sentimentos mais crísticos.

        Quisera transformar nesse dia
        Todas as tragédias na mais pura poesia
        E as negras noites de angústia
        Em sobejante emoção e alegria.

        Que o amor possa refletir no mundo
        A sensação da eternidade e sublime amparo
        E que Deus tenha compaixão
        Dos nossos gestos frágeis e de desamparo.


                               Antenor Rosalino



quinta-feira, 4 de abril de 2019

VÍCIOS DE LITERATOS



                                                                      
                                     


Não foram raras as vezes em que, após ler a biografia de alguns poetas, fiquei um tanto intrigado ao sabê-los tão profundamente brilhantes na exteriorização dos seus sentimentos, mas, em contraponto, tão perdidos no degradante e desmoralizador vício do álcool e da exagerada boemia.

  Há já algum tempo, escrevi sobre esse tema. Na ocasião, argumentei que, a meu ver, o poeta não precisa se embriagar para ter inspiração. Asseverei que o vício é que o leva para a rua, e não a necessidade de se inspirar para escrever, o que pode ser feito, perfeitamente, de maneira sóbria, no silêncio embriagador de profunda reflexão no aconchego do próprio lar.

  Entretanto, tendo lido o livro “Chaplin e outros ensaios”, de Carlos Heitor Cony, cuja obra é interessantíssima e aborda a vida pessoal de alguns dos maiores escritores e poetas do Brasil e do mundo, causou-me ainda mais estranheza quando tomei conhecimento de que, o nosso consagrado e imortal romancista Lima Barreto, comparado ao talento de Machado de Assis, ambos cariocas, mestiços e descendentes de escravos, morreu aos 41 anos de idade, abraçado a uma revista, consumido pelo álcool e pela miséria e, como se não bastasse, com o pai louco no quarto ao lado.

  Chovia naquele dia fatídico. O velório, vez por outra, era interrompido pelo barulho da chuva e pelos gritos alucinados do pai insano e moribundo que morrera horas depois.
  No citado livro consta que Lima Barreto teve enterro dos mais humildes, cujo féretro fora acompanhado por alcoólatras iguais a ele, e vagabundos suburbanos, cheirando a álcool e pés descalços, com os quais o autor, por vezes, convivia pelas sombrias ruas dos subúrbios cariocas.

  Assim partiu para o eterno, na mais completa miséria e solidão, esse grande e brilhante escritor, apesar de sua extensa e riquíssima obra literária.

  Fica a pergunta: que angústia é essa que povoa o coração de tantos talentosos literatos? Lembro-me da vida breve de Augusto dos Anjos, cujo estilo poético encantador alicerçava-se, predominantemente, na finitude.

  Muitos se lembram, também, da torturante vida de Hilda Hilster, que morreu louca e solitária, tendo sido ela uma das maiores poetisas da nossa literatura.

  Há, portanto, outra e mais ampla visão sobre escritores e principalmente poetas que precisam ser desvendados e que, talvez, nunca será, pois são eles, notadamente, seres diferentes que, mesmo na realidade presente, parece viverem em outro mundo. Serão eles assim pelo fato de pensarem muito? Ou a sensibilidade é tanta que não suportam certas impiedades que, ao ponto de vista normal, são superáveis?

  Não se pode generalizar e atribuir a todos esses pensadores a tendência para a vida boêmia e/ou desregrada, mas também não se pode negar que tais artistas da escrita, dotados que são de tanto talento e exuberância na exteriorização do sentir, poderiam disseminar também maiores exemplos de vida pessoal digna para enfeitarem ainda mais o mundo com suas flores sentimentais que enternecem o leitor.


                                                                                    Antenor Rosalino