sexta-feira, 31 de outubro de 2025

PREVIDÊNCIA NEGADA


                                 

 Num dia qualquer, há algum tempo atrás, caminhando lentamente, trazendo na lívida face profundas rugas retratando a sua laboriosa vivência de adversidades, um pobre ancião, debilitado, sentindo as pernas fraquejarem, buscara confiante como último lenitivo, o seu direito assistencial na Previdência Social.

  Foram muitos os anos de contribuição aos cofres públicos, em simetria com o trabalho árduo, sob o ardente sol a abrasar o seu suor.

  Para o seu desencanto esbarrou-se, porém, nas infindáveis e ofegantes filas, enquanto os seus olhos cansados e tristes denotavam servidores desfilando prepotência e morosidade pelas alas da entidade destinada ao pronto atendimento dos munícipes, em suas necessidades de atendimento médico-hospitalar. Tal insensibilidade e desdém funcional negaram a atenção devida; não cumpriram a sua parte de amparo a quem contribuiu com assiduidade durante longos anos, para ser acolhido com dignidade na inevitável debilidade física da senilidade.

  Passaram-se as horas e sentindo o seu estado físico agravar-se de forma assustadora e preocupante, num derradeiro apelo, o contribuinte já quase desfalecido, apelara indulgente, por um atendimento emergencial, tendo ouvido em definitivo, a negativa crucial de amparo ao seu estado de aflição, recebendo como alegação, a necessidade de que fosse obedecida a ordem de chegada; numa demonstração inequívoca do não cumprimento ao atendimento prioritário aos casos mais graves, principalmente em se tratando de idosos.

  Com os olhos marejados e o cansaço a dominar-lhe, o ancião volta ao seu lugar na fila, agora mais ofegante.

  De repente... a tragédia! O velho trabalhador volve os olhos para o céu e cai inerte ao chão, sob os olhares estarrecidos de outros tantos irmãos. O seu rosto ainda verte um fio de sangue advindo de sua queda, como a marcar a sua angústia no gélido piso hospitalar, onde veio a falecer sem o atendimento devido.

  Obviamente, não podemos generalizar e atribuir descaso a todos os administradores e atendentes públicos, os quais, em sua maioria, dignificam os cargos que ocupam e cumprem com denodo as suas atribuições devidas, mas é de fundamental importância que esteja sempre vívida na lembrança de todos os servidores públicos, que são esses trabalhadores, o sustentáculo de todas as benesses de suas vidas.

  Fora negada uma vez mais, a um velho e honrado trabalhador, a devida Previdência Social. Resta-lhe, porém, o inefável e indestrutível abrigo da Providência Celestial.

 

                                                       Antenor Rosalino


16 comentários:

  1. Querido Rosalino,

    teu texto é uma ferida aberta🥲dessas que não sangram sozinhas, mas fazem soar o gemido de tantos outros que caem, exaustos, à beira das filas da vida. Há nele o tom de um cronista que não se limita a narrar; denuncias e velas ao mesmo tempo, como quem escreve de joelhos diante da dor alheia.

    O velho que desenhas de “lívide face” e “profundas rugas” não é apenas um homem, é um símbolo do Brasil cansado: aquele que trabalhou com fé, confiou nas promessas do Estado, e ao fim da jornada encontra portas frias, vozes ríspidas e o vazio institucional. Tua pena devolve humanidade a esse corpo, e, mais que isso, convoca a quem te lê à vergonha moral de quem assiste e nada faz.

    A cena na repartição pública é um retrato dolorosamente verossímil. O desfile dos servidores, que contrastas com o arrastar do ancião, contém uma ironia fina e precisa não há sarcasmo, há compaixão e crítica equilibradas. E é justamente essa sobriedade que amplifica o impacto do texto: não há grito, mas cada frase vibra como um clamor silencioso por justiça e piedade.

    O desfecho, ao lembrar que “fora negada uma vez mais a Previdência Social, mas restara a Providência Celestial”, é de uma beleza amarga. Tua fé surge como último abrigo, não para absolver a omissão humana, mas para mostrar que, onde o Estado falha, Deus recolhe o que a Terra rejeita. Há aqui o som dos profetas, a ternura dos evangelistas e a consciência social de quem sabe que fé verdadeira é também indignação diante do sofrimento.

    Em suma, Rosalino, teu texto é ato de misericórdia e denúncia, oração e protesto, epitáfio e alerta.
    Deveria ser lido em voz alta nos corredores de qualquer órgão público não como acusação, mas como chamado à lembrança do humano que cada função carrega consigo.

    Com admiração e respeito🙏🏻
    Fernanda

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    1. Olá, Fernanda.
      Em suas lindíssimas ponderações você retrata com brilho literário incomum e sentimento humanitário dos mais admiráveis o seu olhar compadecido ao pobre trabalhador ao qual me refiro e que, acredito, tal abandono e falta de solidariedade ocorra em vários pontos do nosso país.
      É muito difícil compreendermos como os políticos, em sua grande maioria, possam ser tão insensíveis a tantas injustiças. Muitos são, na verdade, verdadeiros bandidos travestidos de estadistas, pois em campanhas políticas demonstram conhecimento de causa e até propõem solucionar problemas que urgem, mas depois de eleitos a preocupação se volta unicamente para eles mesmos, sem se importarem com enriquecimentos ilícitos, pois sabem que nem sempre são punidos e, caso forem as penas são as mais brandas possíveis.
      Tão comovido quanto agradecido pelo seu comentário finalizo com a seguinte citação de Will Durant: "A máquina política triunfa porque é uma minoria unida atuando contra uma maioria dividida.
      Muito obrigado, querida amiga. Muito me honra a docilidade de sua amizade.
      O respeito e admiração são recíprocos.
      Terno abraço e ótimo fim de semana.

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    2. Querido Rosalino,

      Suas palavras me tocam profundamente.
      Infelizmente, a realidade que descreves é ainda mais comum do que gostaríamos de admitir, e seu olhar atento denuncia com lucidez a desigualdade e a falta de empatia que atravessa nosso país. Concordo plenamente: a política muitas vezes se distancia da ética e da solidariedade, e a frase de Will Durant resume com clareza essa dura realidade.

      Sinto-me honrada pela tua amizade e pelas reflexões tão cuidadosas que compartilhas. Que continuemos atentos, solidários e comprometidos com a justiça em nossos pequenos gestos cotidianos.

      Terno abraço e uma ótima semana para você também.
      🙏🏻

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  2. Ah, meu amigo, Rosalino, esse descaso é muito triste. A maioria dos atendentes não têm a menor empatia. Logo na chegada, no momento inicial de escuta o paciente já é quase encaminhado para descarte. A falta de empatia é uma tristeza, um entrave para a humanização do cuidado. Sem a capacidade de se conectar emocionalmente com o paciente e sua situação, os profissionais da saúde acabam tratando a doença e esquecendo de tratar o doente. E em muitos casos, como o que você aponta no texto, o paciente morre sem atendimento, pois é a triagem que vai determinar o andamento certo dos procedimentos. Uma triagem mal conduzida leva a uma comunicação inadequada sobre a situação emergencial do paciente. E fica tudo por isso mesmo. Ninguém vê, ninguém se incomoda. Os técnicos há muito já detectaram esse problema. E por que não se aprimora a triagem? simples, não há interesse pessoal, não há propina para ninguém, pois os que utilizam a previdência não têm ferramentas de barganha. E pensar que tanta coisa poderia estar funcionando melhor se não fosse a corrupção... O direito à saúde é garantido pela nossa Carta e o Estado tem o dever de fornecer, mas a omissão do poder público em cumprir e fazer cumprir os preceitos constitucionais nos mostra que as prioridades sociais dos dirigentes do país não têm nada a ver com o povo. Tem a ver com a satisfação de interesses pessoais. Lamentavelmente, a corrupção é quem dá as cartas para manter essas ações que roubam o direito conquistado pelas pessoas mediante os descontos previdenciários de toda uma vida laboral.
    Parabéns pelo texto, oportuno e adequado.
    Abraços, Marli

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    1. Olá, Marili.
      É muito assertiva as suas belas ponderações sobre o tema em pauta. E a falta de empatia à qual você se refere, está cada vez mais distante em nossa realidade presente. É tudo muito triste e chega a ser estarrecedor, minha amiga.
      O que mais atemoriza ao olharmos para o futuro é que a corrupção, como você bem diz, vem predominando nas ações, até mesmo quando a prioridade deveria ser voltada a pacientes que estão agonizando ou morrendo em corredores ou leitos hospitalares.
      Há ainda o estranho fato de que apesar da prática de descontos consideráveis nas folhas de pagamentos dos trabalhadores para que os mesmos tenham ou deveriam ter direito ao atendimento digno, a instituição previdenciária está falida. Uma lástima!
      Meu obrigado pelas suas considerações detalhadas de forma tão brilhante e oportuna, e um cordial e fraterno abraço com votos de uma semana feliz.

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  3. Um história triste mas que pode acontecer a qualquer momento em nosso país. Pior ainda é saber que a Previdência está quebrada, o sistema praticamente não se sustenta. O que virá no futuro?

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    1. Bom dia, Eduardo.
      Você disse tudo, Eduardo. infelizmente é muito provável que casos congêneres apareçam até com repetições periódicas, mesmo porque, além do descaso para com o contribuinte há o fato da Previdência nunca ter receita satisfatória para tais prementes necessidades. O futuro é incerto, meu amigo.
      Abraço.

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  4. Olá caro poeta e amigo Antenor, esta sua excelente crônica, com um fundo social muito apropriado, aborda em tema que aflige a muitos brasileiros, principalmente os de pouca posse.
    A crônica mostra a falta de sensibilidade de servidores públicos que deixaram de atender a um homem idoso, que se encontrava na fila para ser atendido por médicos, esperando a sua vez numa extensa fila, embora seu estado de saúde fosse grave para um homem idoso que necessitava de urgência. O frio servidor público não o atendeu com urgência e mandou que esperasse na fila. O pobre homem faleceu ali onde estava sem nenhum atendimento médico.
    Esta crônica, com fundo social faz essa grave denuncia às autoridades para que olhem mais profundamente para os brasileiros carentes.
    Meus votos para um excelente final de semana na sua bela Araçatuba.
    Grande abraço, amigo Antenor.

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    1. Olá, meu caro Pedro Luso, bom dia.
      Muito lhe agradeço pelo seu belo comentário que corrobora o meu pensar e o de milhões de brasileiros principalmente daqueles desprovidos de meios minimamente necessários para sobreviverem e que, apesar de terem contribuído anos a fio com a Previdência não contam com o atendimento devido quando necessário.
      Às vezes me pergunto como é possível tamanha fonte de recursos destinados ao desenvolvimento social, aos programas e projetos de combate à pobreza serem insuficientes pelo menos para amenizar o sofrimento dos mais necessitados.
      Lembro-me de uma frase do escritor e ativista social brasileiro Jader Medeiros, que acho das mais interessantes: "Enquanto o povo tratar político feito celebridade, continuará a ser tratado feito gado".
      Muito obrigo mais uma vez meu prezado amigo e poeta Pedro Luso e que a Luz de Deus ilumine os seus passos nesse fim de semana pela sua belíssima Porto Alegre.
      Cordial e fraterno abraço.


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  5. Olá, querido amigo poeta Antenor, como é triste saber dessas injustiças, como a que você narrou nesta bela crônica!
    Este fato narrado, acontece muito no nosso país pela falta de sensibilidade dos governantes, que vivem dentro de um nível de vida que nada lhes falta. É certo que precisamos mudar, não podemos ver mais pessoas de idade que procuram auxílio médico, mas não são atendidos com dignidade e, por essa desatenção vidas são ceifadas e fica por isso mesmo.
    Que horror! Crônica como esta serve de alerta para as pessoas de bem que querem um Brasil melhor, principalmente para os mais necessitados, quase abandonados.
    Infelizmente, hoje, ainda temos muitos moradores de rua, principalmente nas grandes cidades do nosso país.
    Aplausos, amigo Antenor!
    Um bom fim de semana que está chegando.
    Grande abraço daqui do Sul para a bela Araçatuba!

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    1. Caríssima Tais, bom dia.
      Sim, minha amiga. A tristeza é grande e se torna ainda mais considerável ao sabermos que, pelo "andar da carruagem", as injustiças nas estruturas sociais ainda continuarão por muito tempo, privilegiando alguns grupos em detrimento de outros.
      No seu belo comentário você realça com clareza e propriedade o enorme número de moradores de rua que ainda vemos.
      Intriga saber que mesmo havendo tantos programas e projetos para o combate a esse estado de coisas os mesmos ainda não seja suficientes. Talvez seja necessária maior ação não só das instituições, mas também da população para promover a sonhada igualdade, antes, porém, urge maior empenho, zelo e transparência dos políticos no que tange às verbas destinadas ao bem comum.
      Muito obrigado pela sempre gentil e honrosa presença e que o fim de semana lhe seja repleto de bons sentimentos, energia renovada, saúde e paz.
      Terno abraço desde o interior paulista até as belezas naturais e culturais da sua lindíssima Porto Alegre.

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  6. Antenor Rosalino, te encontré en el blog de Tais y acá estoy.
    No solo en Brasil pasa eso, en Argentina esta pasando lo mismo.
    Es indignante ver como los políticos derrochan dinero del pueblo para su lujosa vida, mientras que el trabajador pierde hasta el derecho de la vida por falta de atención.
    Conmovedor y triste relato, no soy optimista, pienso que pasaran varios años para que haya justicia social .
    Un placer leerte
    Besos, que pases un hermoso día, me gusto tu blog y su contenido, te sigo

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    1. Bom dia, Momentos.
      Fico feliz com a generosidade do seu comentário e lhe agradeço por isso.
      Por outro lado, não posso deixar de sentir o seu mesmo sentimento de tristeza ao saber que também na Argentina e, certamente em muitos outros países há tantos casos congêneres. Penso também que, em vista das injustiças sociais que se alastram em proporções alarmantes, infelizmente é isso, minha amiga, tal sofrimento dos mais necessitados irá perdurar ainda por longo tempo.
      Obrigado, inclusive, pela apreciação ao meu blog e por me seguir. Com prazer lhe seguirei também.
      Terno abraço e tenha dias abençoados e felizes.

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  7. Antenor Rosalino, gracias por visitar uno de mis blog y por tu comentario.
    Es un placer enorme seguirte y leer temas tan importantes que parece que los políticos olvidaron.
    Los mayores tienen la sabiduría de toda una vida y trabajaron sin descanso y dieron mucho de su tiempo.
    Para que ahora no los valoren ni respeten su vida, ni sus necesidades básicas, es vergonzoso.
    Que pases un feliz día Antenor.
    Besos

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  8. Antenor, quise decir mayores, no alcaldes.
    Besos

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    1. Bom dia, Mathilde.
      Agradeço-lhe, uma vez mais, por sua honrosa visita e comentários que contêm verdades irrefutáveis sobre a falta de visão solidária dos políticos às causas sociais.
      Ótimo fim de semana, minha amiga, e um tern abraço.

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