Num
dia qualquer, há algum tempo atrás, caminhando lentamente, trazendo na lívida
face profundas rugas retratando a sua laboriosa vivência de adversidades, um
pobre ancião, debilitado, sentindo as pernas fraquejarem, buscara confiante
como último lenitivo, o seu direito assistencial na Previdência Social.
Foram muitos os anos de contribuição aos
cofres públicos, em simetria com o trabalho árduo, sob o ardente sol a abrasar
o seu suor.
Para o seu desencanto esbarrou-se, porém, nas
infindáveis e ofegantes filas, enquanto os seus olhos cansados e tristes
denotavam servidores desfilando prepotência e morosidade pelas alas da entidade
destinada ao pronto atendimento dos munícipes, em suas necessidades de
atendimento médico-hospitalar. Tal insensibilidade e desdém funcional negaram a
atenção devida; não cumpriram a sua parte de amparo a quem contribuiu com
assiduidade durante longos anos, para ser acolhido com dignidade na inevitável
debilidade física da senilidade.
Passaram-se as horas e sentindo o seu estado
físico agravar-se de forma assustadora e preocupante, num derradeiro apelo, o
contribuinte já quase desfalecido, apelara indulgente, por um atendimento
emergencial, tendo ouvido em definitivo, a negativa crucial de amparo ao seu
estado de aflição, recebendo como alegação, a necessidade de que fosse
obedecida a ordem de chegada; numa demonstração inequívoca do não cumprimento
ao atendimento prioritário aos casos mais graves, principalmente em se tratando
de idosos.
Com os olhos marejados e o cansaço a
dominar-lhe, o ancião volta ao seu lugar na fila, agora mais ofegante.
De repente... a tragédia! O velho trabalhador
volve os olhos para o céu e cai inerte ao chão, sob os olhares estarrecidos de
outros tantos irmãos. O seu rosto ainda verte um fio de sangue advindo de sua
queda, como a marcar a sua angústia no gélido piso hospitalar, onde veio a
falecer sem o atendimento devido.
Obviamente, não podemos generalizar e
atribuir descaso a todos os administradores e atendentes públicos, os quais, em
sua maioria, dignificam os cargos que ocupam e cumprem com denodo as suas
atribuições devidas, mas é de fundamental importância que esteja sempre vívida
na lembrança de todos os servidores públicos, que são esses trabalhadores, o
sustentáculo de todas as benesses de suas vidas.
Fora negada uma vez mais, a um velho e
honrado trabalhador, a devida Previdência Social. Resta-lhe, porém, o inefável
e indestrutível abrigo da Providência Celestial.
Antenor
Rosalino

Querido Rosalino,
ResponderExcluirteu texto é uma ferida aberta🥲dessas que não sangram sozinhas, mas fazem soar o gemido de tantos outros que caem, exaustos, à beira das filas da vida. Há nele o tom de um cronista que não se limita a narrar; denuncias e velas ao mesmo tempo, como quem escreve de joelhos diante da dor alheia.
O velho que desenhas de “lívide face” e “profundas rugas” não é apenas um homem, é um símbolo do Brasil cansado: aquele que trabalhou com fé, confiou nas promessas do Estado, e ao fim da jornada encontra portas frias, vozes ríspidas e o vazio institucional. Tua pena devolve humanidade a esse corpo, e, mais que isso, convoca a quem te lê à vergonha moral de quem assiste e nada faz.
A cena na repartição pública é um retrato dolorosamente verossímil. O desfile dos servidores, que contrastas com o arrastar do ancião, contém uma ironia fina e precisa não há sarcasmo, há compaixão e crítica equilibradas. E é justamente essa sobriedade que amplifica o impacto do texto: não há grito, mas cada frase vibra como um clamor silencioso por justiça e piedade.
O desfecho, ao lembrar que “fora negada uma vez mais a Previdência Social, mas restara a Providência Celestial”, é de uma beleza amarga. Tua fé surge como último abrigo, não para absolver a omissão humana, mas para mostrar que, onde o Estado falha, Deus recolhe o que a Terra rejeita. Há aqui o som dos profetas, a ternura dos evangelistas e a consciência social de quem sabe que fé verdadeira é também indignação diante do sofrimento.
Em suma, Rosalino, teu texto é ato de misericórdia e denúncia, oração e protesto, epitáfio e alerta.
Deveria ser lido em voz alta nos corredores de qualquer órgão público não como acusação, mas como chamado à lembrança do humano que cada função carrega consigo.
Com admiração e respeito🙏🏻
Fernanda
Ah, meu amigo, Rosalino, esse descaso é muito triste. A maioria dos atendentes não têm a menor empatia. Logo na chegada, no momento inicial de escuta o paciente já é quase encaminhado para descarte. A falta de empatia é uma tristeza, um entrave para a humanização do cuidado. Sem a capacidade de se conectar emocionalmente com o paciente e sua situação, os profissionais da saúde acabam tratando a doença e esquecendo de tratar o doente. E em muitos casos, como o que você aponta no texto, o paciente morre sem atendimento, pois é a triagem que vai determinar o andamento certo dos procedimentos. Uma triagem mal conduzida leva a uma comunicação inadequada sobre a situação emergencial do paciente. E fica tudo por isso mesmo. Ninguém vê, ninguém se incomoda. Os técnicos há muito já detectaram esse problema. E por que não se aprimora a triagem? simples, não há interesse pessoal, não há propina para ninguém, pois os que utilizam a previdência não têm ferramentas de barganha. E pensar que tanta coisa poderia estar funcionando melhor se não fosse a corrupção... O direito à saúde é garantido pela nossa Carta e o Estado tem o dever de fornecer, mas a omissão do poder público em cumprir e fazer cumprir os preceitos constitucionais nos mostra que as prioridades sociais dos dirigentes do país não têm nada a ver com o povo. Tem a ver com a satisfação de interesses pessoais. Lamentavelmente, a corrupção é quem dá as cartas para manter essas ações que roubam o direito conquistado pelas pessoas mediante os descontos previdenciários de toda uma vida laboral.
ResponderExcluirParabéns pelo texto, oportuno e adequado.
Abraços, Marli
Um história triste mas que pode acontecer a qualquer momento em nosso país. Pior ainda é saber que a Previdência está quebrada, o sistema praticamente não se sustenta. O que virá no futuro?
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