Certo dia, num desses momentos em que as
lembranças do passado longínquo afloram-me à mente, recordei-me de uma
circunstância um tanto reflexiva, ocorrida há várias décadas, na minha
juventude...
Era domingo... A chuva caía mansamente durante a noite. Eu,
sozinho, caminhava apressadamente, parando aqui e ali, evitando a chuva que a
cada passo, aumentava mais e mais.
Ao virar uma esquina, deparei-me com alguns
amigos, jovens como eu, com os mesmos sonhos, os mesmos anseios e as mesmas
esperanças que eu. Conversávamos animadamente quando, de repente, surgiu-nos à
frente um homem barbudo, na verdade, era um mendigo, o qual, dirigindo-se a nós
timidamente, pediu-nos um auxílio, alegando ser desprovido pela sorte e estar
com muita fome. Compadecidos com a cena, ofertamos-lhe algum dinheiro, em
esperança de ajudar o infeliz. Após o seu rápido murmúrio de agradecimento, o
mendigo, para nossa surpresa e estarrecimento, entrou no primeiro bar à vista,
e percebemos que o mesmo não foi sanar a fome que, pelo visto, o devorava, mas
sim, tomar demoradamente algumas boas doses de cachaça.
Entreolhamo-nos admirados, com um sentimento
indecifrável de repúdio e, ao mesmo tempo, penalizados pelo ato tão reprovável.
Finalmente, contemplamos com tristeza aquele pobre homem, desfavorecido pela
sorte, sem anseios, sem ilusões e, aparentemente, sem mais esperanças.
No céu, algumas estrelas ainda flamejavam na
noite de chuva fina, enquanto os nossos pensamentos de jovens uniam-se fazendo
a mesma pergunta: Por que ele vive assim? Mas, enquanto assim pensávamos, esquecíamos
de que ele também foi jovem como nós, e qualquer pessoa está sujeita a tais
vicissitudes da vida.
São, de fato, infindáveis os casos tristonhos
de tantos indivíduos que se desvirtuam, indiferentes ao fato de que os
obstáculos existem para ser transportados e é preciso sensatez e serenidade
para o enfrentamento das inevitáveis adversidades. Alguns, lamentavelmente, já
vêm de submundos de marginalidades; outros, porém, deixam-nos perplexos por
assumirem atitudes incondizentes em relação ao seu histórico familiar. E mesmo
aqueles que se dizem bem nascidos e afortunados podem vir a ser levados pelas
águas do mar desses infortúnios, onde navegam histórias das mais curiosas e
surpreendentes de desilusões motivadas pelo vício das drogas e do álcool. E
essas pessoas, quando desprovidas de forças ou esclarecimento necessário para
se reerguerem no afã de uma nova vida, entregam-se também, definitivamente, ao
vício da conformação para viver apenas a
angustiosa espera do suspiro final.
Autoria: Antenor Rosalino
imagem da internet
Boa tarde meu amigo Antenor.
ResponderExcluirRealmente, essa é uma imagem que não se assenta em meus olhos, a preferência pela solidão, abandono, um viver tão precário... Parece-me mais um aborto da própria vida.
Teu texto narra o olhar delicado de quem enxerga o outro, reduzindo as suas misérias, muito lindo, parabéns!
Um beijo imenso nesse coração que amo, lu.
Bom dia, Lucy Mara! Intriga mesmo tais situações de abandono à própria vida, o que leva a família também a uma tristeza profunda. E esse problema social se agrava, poreocupa e assombra.
ExcluirSou muito grato por sua valiosa amizade e pelo carinho do seu icentivo.
Afetuoso abraço, querida amiga, e profunda paz!