O
dia sursgiu ostentando um céu cinéreo e triste.
Através de procissões de vidraças, olhares
perscrutadores fitam amedrontados a força intempestiva do vento inclinando e
até derrubando frondosas árvores, enquanto gigantescos rodamoinhos se unem em
espirais de poeira, impedindo a livre movimentação corriqueira dos transeuntes
em seu cotidiano.
As centelhas luminosas dos raios aumentam
sempre mais o fulgor, como a prenunciar algo ainda mais devastador.
Após o prenúncio desolador, a chuva cai! O
seu fluxo aumenta sempre mais, na mesma proporção da ventania que se alastra
arrastando penachos pelo negro e deslizante asfalto, agora transfigurado pela
terra avermelhada e pelas folhas e flores mortas caídas em abandono e
deslizando em aclives e declives para alojar-se principalmente e de forma mais
intensa e consistente, em tubulações e
bueiros, sobrecarregando-os e causando entupimentos e desvios do fluxo das
águas, aumentando assim as preocupantes inundações e impedindo o trânsito dos
veículos que formam filas intermináveis de congestionamentos, impossibilitando
a freqüência normal dos estudantes às suas escolas e diminuindo sensivelmente
as compras e vendas comerciais.
A cidade vive um dia de caos. As águas
torrenciais caem em profusão, sem tréguas e parece não ter fim. Os bairros
periféricos são castigados impiedosamente e as pessoas transtornadas e
apreensivas presenciam a tudo, sem nada poder fazer. Os corações aflitos
aceleram o seu pulsar, temerosos de que algo possa acontecer com suas frágeis
moradias e se apegam em sua fé inabalável, buscando a proteção dos céus para
que nada de mais grave venha a ocorrer em suas vivências de desamparo e
sacrifícios.
Aterrorizados pelo cenário desolador, os
suburbanos observam, vez por outra, a luminosidade dos raios sempre seguidos
pelos estrondos ameaçadores dos trovões. As crianças assustadas perdem a
vivacidade e o desejo de brincar; os pássaros afugentam-se em seus ninhos... Nas encostas dos morros a terra desliza e os
torrões descem ladeira abaixo, arrancando árvores, destruindo plantações e
desmoronando até mesmo alguns casebres que insistem em continuar pendurados nos
morros, como a pedir socorro aos céus pela desventura dos pobres moradores.
Assim como a fúria das enxurradas, o dia
passa disseminando apreensões, aventando incertezas e aprofundando reflexões e
questionamentos sobre a preservação ambiental que urge como nunca. E nesta
aflição e temeridade, as pessoas se unem em prece, na esperança de que uma mão
benigna e invisível abafe o vento intempestivo e, como numa divisão de mundos,
as cortinas da noite tragam a paz desejada a todos os corações e um novo dia de
sol devolva o rito harmonioso e contínuo da vida no seu apogeu maior.
Antenor Rosalino
Olá, amigo Antenor, bah, mas é mesmo assim uma noite de temporal, ou um dia que vira noite! É assustador, sim, mostra como a natureza é poderosa e nos acovarda, pelo menos eu, um tanto amedrontada com trovoadas, alias, desde pequena ficava horrorizada com os estrondos e explosões.
ResponderExcluirHoje saímos para caminharmos no nosso bairro, um sol lindo, as pessoas alegres e todos aquecendo o coração de alegria. Gosto do inverno, gosto de uma chuvinha branda, calminha, só para dizer que estamos em nova estação, e chega! Mas acho que mudei de gosto, vou preferir o verão, sem dúvida! Mesmo minha pressão indo lá embaixo!
Sua narrativa de temporal está tão perfeita, que me fez voltar aos primeiros dias de maio, quando tudo começou, que horror, meu amigo! O Rio Grande do Sul está no chão, está difícil das águas baixarem, sim, um pouco aconteceu, mas virão mais chuvas, é inverno.
Desejo felizes dias por aí, muita paz e saúde, querido amigo! Como é bom vir aqui ler suas narrativas tão exatas!
Grande abraço!
Caríssima Tais,
ExcluirNão posso deixar de sentir alegria com a generosidade do seu comovente e belo comentário, e me alegro ainda mais em saber de que você já está podendo caminhar descontraída pelo seu bairro, assim como outras pessoas, usufruindo, fnalmente, das matizes do sol em sua branda calentura.
Apesar de todos os acontecimentos tristes, confesso que me causou riso a meiguice de sua graciosidade ao dizer que agora prefere o verão. Espero que sua pressão arterial não venha lhe causar angústias no veraneio.
Muito lhe agradeço por suas palavras de incentivo e aqui fico na torcida de que tudo venha a se normalizar no belo Rio Grande do Sul, dentro das melhores expectativas de todos os moradores.
Fique com meu abraço de afeto e votos de felicidades para você também e família.
Olá, meu caro poeta Antenor, a sua excelente crônica fala bem de perto aos gaúchos, que viram suas casas invadidas pela água no espaço de um mês, sendo que agora ainda restam muitas casas em Porto Alegre e em outras cidades do Rio Grande do Sul, tomadas pelas águas.
ResponderExcluirAs vítimas humanas são de 172 mortes e 42 ainda desaparecidos. Muitos animais perderam a vida na enchente,
cães, cavalos, ovelhas e muito gado. Ouvi um fazendeiro dizer que das 153 vacas leiteiras, 150 morreram nas águas.
Os gaúchos que lerem essa sua ótima crônica certamente sentirão um pouco de conforto, em meio à tragédia em que vivemos.
Obrigado pela homenagem, amigo poeta!
Uma ótima semana, com saúde e paz!
Grande abraço.
Prezado Pedro Luso,
ExcluirO seu comentário me comoveu profundamente. Há poucos dias falei para minha esposa: estamos tão distantes do Rio Grande do Sul e, mesmo assim, tais acontecimentos de tão aterrorizantes nos trazem lágrimas aos olhos, o que dizer então de quem está tão perto, como é o seu caso, vivenciando toda essa catástrofe?
O seu relato mostra com maior clareza a profundidade dessa tragédia, Pedro Luso, e rogo a Deus para que tudo volte a se normalizar o mais rápido possível, com as providências cabíveis de prevenção e que nunca mais isso volte a acontecer.
Sinto-me extramente grato por suas palavras que muito me incentivam a continuar com meus escritos e lhe desejo, igualmente, uma semana abençoada, com saúde e renovas energias. Forte abraço.
La naturaleza querido Antenor nos habla, a veces ruge y otras nos presiona con tormentas o vendavales aterradores, creo que se queja porque nosotros tambien la maltratamos sin parar, hemos cambiado el ecosistema y ella nos grita
ResponderExcluirLeerte ha sido un placer
Un abrazo
Bom dia, Stella.
ExcluirÉ mesmo assim. Antigamente o homem vivia em contato com a natureza e ela os escutava; aos poucos, porém, o homem foi se distanciando brutalmente, e o resultado aí está com essas catástrofes se avultando sempre mais como a pedir socorro, como você bem diz.
Muito obrigado pela generosidade do comentário e um cordial e fraterno abraço.