Não foram raras as vezes em que, após
ler a biografia de alguns poetas, fiquei um tanto intrigado ao sabê-los tão
profundamente brilhantes na exteriorização dos seus sentimentos, mas, em
contraponto, tão perdidos no degradante e desmoralizador vício do álcool e da
exagerada boemia.
Há já algum tempo, escrevi sobre esse tema. Na
ocasião, argumentei que, a meu ver, o poeta não precisa se embriagar para ter
inspiração. Asseverei que o vício é que o leva para a rua, e não a necessidade
de se inspirar para escrever, o que pode ser feito, perfeitamente, de maneira
sóbria, no silêncio embriagador de profunda reflexão no aconchego do próprio
lar.
Entretanto, tendo lido o livro “Chaplin e outros ensaios”, de Carlos
Heitor Cony, cuja obra é interessantíssima e aborda a vida pessoal de alguns
dos maiores escritores e poetas do Brasil e do mundo, causou-me ainda mais
estranheza quando tomei conhecimento de que, o nosso consagrado e imortal
romancista Lima Barreto, comparado ao talento de Machado de Assis, ambos cariocas,
mestiços e descendentes de escravos, morreu aos 41 anos de idade, abraçado a
uma revista, consumido pelo álcool e pela miséria e, como se não bastasse, com
o pai louco no quarto ao lado.
Chovia naquele dia fatídico. O velório, vez por outra, era interrompido
pelo barulho da chuva e pelos gritos alucinados do pai insano e moribundo que
morrera horas depois.
No citado livro consta que Lima Barreto teve enterro dos mais humildes,
cujo féretro fora acompanhado por alcoólatras iguais a ele, e vagabundos
suburbanos, cheirando a álcool e pés descalços, com os quais o autor, por
vezes, convivia pelas sombrias ruas dos subúrbios cariocas.
Assim partiu para o eterno, na mais completa miséria e solidão, esse
grande e brilhante escritor, apesar de sua extensa e riquíssima obra literária.
Fica a pergunta: que angústia é essa que povoa o coração de tantos
talentosos literatos? Lembro-me da vida breve de Augusto dos Anjos, cujo estilo
poético encantador alicerçava-se, predominantemente, na finitude.
Muitos se lembram, também, da torturante vida de Hilda Hilster, que
morreu louca e solitária, tendo sido ela uma das maiores poetisas da nossa
literatura.
Há, portanto, outra e mais ampla visão sobre escritores e principalmente
poetas que precisam ser desvendados e que, talvez, nunca será, pois são eles,
notadamente, seres diferentes que, mesmo na realidade presente, parece viverem
em outro mundo. Serão eles assim pelo fato de pensarem muito? Ou a
sensibilidade é tanta que não suportam certas impiedades que, ao ponto de vista
normal, são superáveis?
Não se pode generalizar e atribuir a todos esses pensadores a tendência
para a vida boêmia e/ou desregrada, mas também não se pode negar que tais
artistas da escrita, dotados que são de tanto talento e exuberância na
exteriorização do sentir, poderiam disseminar também maiores exemplos de vida
pessoal digna para enfeitarem ainda mais o mundo com suas flores sentimentais
que enternecem o leitor.
Antenor
Rosalino
O álcool é um inimigo feroz. Entrar nesses caminhos é entrar num caminho de "droga". Alcoólico e com o Pai louco, que triste sina.
ResponderExcluir.
Cumprimentos
.
** Luz do meu desnorte **
Grato pelo pertinente comentário, Gil António. Logo mais lerei o seu "Luz do meu desnorte". Bom dia, amigo.
ResponderExcluirInfelizmente o álcool e outras drogas dominam muita gente inteligente... A escrita pode ser um refúgio, um desabafo ou uma maneira de estar na vida. Quantas verdades se dizem nas entrelinhas de um poema ou prosa
ResponderExcluirNa minha vida, a escrita (que é do mais simples) veio a partir do momento em que consegui superar um acidente que me ia ceifando a vida. Graças a Deus, que estou viva. Com cicatrizes profundas na pele e na alma. Como não podia sair à rua por diversas razões, comecei a escrever estados de alma. Poderia ter-me desanimado com vida e colocar um fim. Mas eu tinha filhos e uma neta (hoje já são 3) e queria continuar a viver estivesse como estivesse. Só tinha 46 anos e uma vida pela frente.
Hoje, a minha maior riqueza são os filhos, os netos, e as coisas que vou escrevendo.
Amei ler o seu texto. Parabéns e obrigada pela partilha!
Se quiser entre neste linke : http://coisasdeumavida172.blogspot.com/2013/05/entre-horrores-e-alegrias-entre_27.html#comment-form
Beijo e uma tarde Feliz!
Oi, Cidalia!
ResponderExcluirÉ sempre um prazer receber os seus comentários, ainda mais tendo a oportunidade de conhecê-la melhor. Apesar das circunstâncias extremamente desfavoráveis, você conseguiu superar tudo com a sensatez que lhe caracteriza tendo deixado exemplos dos mais belos a ser seguidos.
Agradeço-lhe,penhoradamente, pela leitura ao meu texto e por suas palavras de estímulo e elogio.
Felicidades sempre, carinhoso abraço e tenha um dia feliz você também.
Olá, Antenor.
ResponderExcluirMuitas das pessoas que consideramos grandes no que fizeram - e foram - tinham muitos problemas. Gandhi, por exemplo, em sua biografia, disse que durante um tempo teve um amigo com quem ia para a esbórnia e traía a esposa. Tal amigo bebia muito. Era vaidoso, e quase perdeu um filho por cismar em tratá-lo fora da medicina convencional, preferindo ele mesmo ministrar tratamentos com arplicações de argila.
Pensei no quanto ele era um homem considerado espiritual, mas no quanto ele fez sua família sofrer.
A maioria dos cantores de rock famosos morre de overdose ou suicídio. A maioria bebe muito também. Os poetas tiram sua inspiração das dores que sentem, e talvez eles a cultivem para não perderem a poesia. Será?
Olá, Ana!
ExcluirLi sobre Gandhi, mas eu não sabia desta faceta do "iluminado". O caso do amigo,então, pode ter correlação com o fato dele ter ficar longos períodos em abstinência sexual com a esposa.
Muito obrigado pelo brilhante, reflexivo e pertinente comentário. É sempre um prazer recebê-los.
Muito bem! Venho convidá-lo! :)
ResponderExcluir" A festa de aniversário do Gui"
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Coisas de uma Vida
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Beijo. Excelente semana para todos.
Obrigado pelo carinho do comentário e do convite, Cidália.
ResponderExcluirAfetuoso abraço e ótima semana para você também.
Excelente crônica e reflexão, caro Rosalino. Grato por compartilhar! É, de fato, muito triste observar que brilhantes artistas em geral, não poucos amiúde se enveredam por estilos de vida assim destrutivos. A sua pergunta é válida: é tanta a senbilidade a causar tamanha e intransponível dor? Particularmente, noto que nós, os poetas (e escritores), temos a tendência de nos ufanarmos de sermos mais especiais - mais sentimentais, mais sensíveis, etc…. e, portanto, mais sucetíveis aos reveses da vida, sofremos mais. Bobagem! Há um incontável número de anônimos iliteratos da mesma forma mergulhados no ácool e nas drogas. (Não irei aqui descorrer o porquê dessas escolhas). Resumidamente, apenas concluo, poeta sofre simplesmente porque poeta também é gente! Um grande abraço. George
ResponderExcluirMuito lhe agradeço pelo belo e pertinente comentário, George.
ExcluirConcordo com sua conclusão sobre sermos todos iguais no que tange à humanidade. Os sentimentos variam conforme as circunstâncias, e isso é, simplesmente, ser gente.
Grande abraço.