Um estampido ecoou pela sala de
Magda. Casada há apenas três anos com Agnelo, ainda não tinham filhos e seus
parentes moravam em outra cidade. Viveram em harmonia apenas nos dois primeiros
anos de casados, porém, estranhamente, sem motivos justificáveis,
paulatinamente, Agnelo passou a tratá-la de forma desumana e cruel. Além disso,
Magda soubera que o marido vinha tendo um caso extraconjugal com uma bela
jovem, de bem menos idade que ele.
O barulho da arma disparando tragicamente, fez com que ela soltasse um
grito de supremo desespero, como que arrependida pelo crime que ela mesma
acabara de cometer.
O marido, ensanguentado, fora alvejado pelas costas após violenta
discussão entre ambos, em que ele a esbofeteou, impiedosamente, como já houvera
feito em outras ocasiões.
Agnelo expirava sem nada dizer! Apenas seus olhos de assombroso espanto
ainda se voltaram para a esposa como se ele não estivesse acreditando no que
tinha acontecido. Seu sangue escorria
pelo carpete da sala quando Magda, ensandecida, retirou a aliança de casamento,
jogou no corpo inanimado de Agnelo e sussurrou em seus ouvidos com voz
lacrimosa:
- Tudo terminado! Agora estou livre e vou procurar ser feliz.
Era dia de São João. A cidade estava em festa! E antes da trágica
discussão, Magda havia perguntado ao marido se ele gostaria de sair com ela
naquele dia festivo. A resposta, porém, foi negativa e demasiadamente brusca,
aliás, como sempre ele fazia quando ela demonstrava o desejo de saírem juntos.
A bela e jovem viúva tomou um banho rápido como a desejar fugir do crime
impregnado em sua epiderme e que agora também tomava conta de sua alma. Após o
banho, perfumou-se. Retirou do guarda-roupa algumas de suas vestimentas
preferidas. Manuseou o relicário, retirou também dali as lembranças mais
queridas, exceto os presentes recebidos de Agnelo. Recolheu um pouco de
dinheiro que vinha guardando sem que o marido soubesse, jogou tudo numa valise
e saiu sem destino.
Anoitecera. O espírito das festas juninas tomava conta das pessoas.
Havia um clima de euforia no ar, mas, para Magda, a cada passo que dava aumentava
ainda mais o seu crucial tormento. Mesmo um pouco cambaleante e fora de si,
caminhava a esmo pelas ruas sob os folguedos que contrapunham a seu desespero,
prenunciando a noite feliz. Sentia-se sempre mais atordoada com a luminosidade
dos postes e dos candelabros que ornamentavam várias lojas e residências. Vez
por outra, esfregava os olhos com as mãos nervosas e trêmulas, passando-as
também pelo rosto que se contorcia pelo desespero.
Magda usava calça jeans, uma blusa azul clara
e trazia no pescoço um lenço e um cordão revestido de ouro que cintilava a cada
clarão dos fogos de artifício na passagem da brisa do anoitecer.
Sem se dar conta de onde estava, continuou caminhando em passos lentos
pelas ruas centrais da cidade até chegar a um viaduto, próximo de bonita praça,
em cujo local, coincidentemente, ela havia conhecido o marido que mudara tanto
de comportamento e que, agora, jazia na casa abandonada e triste.
Seguindo pelo viaduto, de repente, os momentos felizes com Agnelo
vieram-lhe à mente... Quanto mais neles pensava, tanto mais se alucinava e
desejava fugir da realidade nefasta.
Por fim, ao chegar ao meio da ponte, volveu os olhos lacrimejantes para
o azul do céu onde já vislumbravam as primeiras rútilas estrelas divisando o
colorido e os sons uníssonos de alguns foguetes e assim, magnetizada pelo
encanto da amplidão colocou a valise no chão e subiu no muro de proteção do
viaduto, talvez iludida na crença de que ali estaria perto do céu.
Num átimo inusitado a lembrança do corpo agonizante de Agnelo
contorcendo-se de dor e vertendo sangue pelo chão lhe trouxe ainda mais
tormento. E assim, na confusão do pensar, disse em voz alta:
- Adeus, amor ingrato! – E foram essas suas últimas e derradeiras
palavras.
Definitivamente, Magda enlouquecera. E assim, despercebidamente, soltou
uma das mãos e, antes que pudesse voltar a se agarrar na proteção da ponte, seu
frágil corpo despencou-se das alturas atingindo violentamente a negritude do
asfalto, numa cena de terrível pavor.
O estampido de um fogo de artifício ecoou, mas para Magda o som lhe era
ensurdecedor, e a pobre mulher parecia ter ouvido o mesmo estampido do tiro que
desferiu no marido. A cidade emudeceu!... A queda fatal e apavorante paralisou
o trânsito, e os transeuntes foram se aglomerando ao redor do corpo inerte no
asfalto revestido de carmesim enquanto a valise em abandono, do alto da ponte,
parecia acenar as alças para Magda, num último adeus, enquanto fagulhas de fogo
crepitavam na amplidão deserta e triste.
Antenor Rosalino
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