terça-feira, 8 de julho de 2025

SOB A UZ DAS ESTRELAS


                                                                  


Tendo lido a belíssima crônica “A chaga social” de Taís Luso de Carvalho, e, como o contexto veio de encontro, em parte, com a primeira crônica que escrevi, publicada em 1969, compartilho com os amigos:

 Certo dia, num desses momentos em que as lembranças do passado longínquo afloram-me à mente, recordei-me de uma circunstância um tanto reflexiva, ocorrida há várias décadas, na minha juventude... Era domingo. A chuva caía mansamente durante a noite. Eu, sozinho, caminhava apressadamente, parando aqui e ali, evitando a chuva que, a cada passo, aumentava mais e mais. Ao virar numa esquina, deparei-me com alguns amigos, jovens como eu, com os mesmos sonhos, os mesmos anseios e as mesmas esperanças que as minhas. Conversávamos animadamente quando, de repente, surgiu-nos à frente um homem barbudo, na verdade, era um mendigo, o qual, dirigindo-se a nós timidamente,, pediu-nos um auxílio, alegando ser desprovido pela sorte e estar com muita fome. Compadecidos com a cena, ofertamos-lhe algum dinheiro es esperança de ajudar o infeliz. Após o seu rápido murmúrio de agradecimento, o mendigo, para nossa surpresa e estarrecimento, entrou no primeiro bar à vista, e percebemos que ele não foi sanar a fome que, pelo visto, o devorava, mas, sim, tomar demoradamente algumas boas doses de cachaça. Entreolhamo-nos admirados com sentimentos indecifráveis de repúdio e, ao mesmo tempo, penalizados pelo ato tão reprovável. Finalmente, contemplamos com tristeza aquele pobre homem, desfavorecido pelas circunstâncias, sem anseios, sem ilusões e sem mais esperanças. No céu, estrelas ainda flamejavam na noite de chuva fina, enquanto os nossos pensamentos de jovens uniam-se fazendo a mesma pergunta: por que ele vive assim? Mas, enquanto assim pensávamos, esquecíamos de que ele também foi jovem como nós, e qualquer pessoa está sujeita a tais vicissitudes da vida. São, de fato, infindáveis os casos tristonhos de tantos indivíduos que se desvirtuam, indiferentes ao fato de que os obstáculos existem para ser transportados e é preciso sensatez e serenidade para o enfrentamento das inevitáveis adversidades. Alguns, lamentavelmente, já vêm de submundos de marginalidade; outros, porém, deixam-nos perplexos por assumirem atitudes não condizentes ao relação ao seu histórico familiar. E mesmo aqueles que se dizem bem nascidos e afortunados podem vir a ser levados pelas águas do mar desses infortúnios, onde navegam histórias das mais e surpreendentes de desilusões motivadas pelo vício das drogas e do álcool. E essas pessoas, quando desprovidas de forças ou esclarecimento necessário para se reerguerem o afã de uma nova vida, entregam-se também, definitivamente, ao vício da conformação para viver apenas a angustiosa espera do suspiro final. 

                                                                Antenor Rosalino