Descontraído, ao sair de um shopping, meu olhar se perdia pelo
circunstancial até encontrar, na calçada, uma pobre mulher maltrapilha,
acompanhada de um cachorro que demonstrava até alegria, contrapondo-se à
tristeza estampada no rosto de sua dona.
O que me surpreendeu e muito,
foi o fato dessa mulher estar lendo um velho livro, entre as muitas quinquilharias
ao seu redor.
Comovido, procurei aproximar-me
com o intuito de esperar por alguns instantes até que ela tirasse os olhos do
livro para que eu pudesse lhe falar. Em poucos minutos isso aconteceu. Então,
quando estava pronto para lhe dirigir a palavra ela me fitou com firmeza, mas
demonstrando melancolia e disse:
- Êta! Lá vem mais um pra
debochá só porque tô lendo. – Ao mesmo tempo, foi posicionando-se para sair
quando lhe interpelei, calmamente, dizendo:
- Minha senhora, pelo
contrário, gostaria de te elogiar, procurar saber o que estava lendo, saber o
teu nome, enfim, a gente poderia conversar um pouco. Gosta muito de ler?
Com essas palavras, consegui
persuadi-la a ficar. Então, para minha surpresa, ela dirigiu-me longa resposta,
afirmou chamar-se Maria dos Anjos e que a leitura era o seu maior prazer, pois
a levava para o mundo no qual ela vivia de fato, distante da Terra onde as
pessoas dificultam as coisas e deveriam ser mais caridosas entre si.
Quanto ao livro, disse-me
tê-lo encontrado no lixo assim como outros que possuía. Tratava-se do antigo
livro de autoajuda: “Como fazer amigos e influenciar pessoas”, de Dale
Carnegie. É um belo livro que, como o próprio titulo diz, traz preciosos
ensinamentos sobre o trato com as pessoas e o valioso poder de transformação
que um incentivo pode proporcionar.
Após a resposta, antes que eu
pudesse saber mais sobre ela, ajudá-la de alguma forma, orientá-la para alguma
entidade beneficente de assistência social, ela se foi de forma repentina, dizendo-me
por fim: “o senhor é um homem bom”.
Fiquei, então, pensativo
imaginando o quanto me proporcionou reflexão aquele inesperado encontro. A
misteriosa mulher tinha mistura de cabelos pretos e grisalhos, possuía
ostensivas rugas, mas possuía traços bonitos, rosto angelical e olhos claros. O
que a teria feito viver daquela forma? O que ela desejou dizer ao insinuar que
seu mundo era outro? E como pode um livro tão valioso e ainda em bom estado de
conservação ir para o lixo?
Eram muitas as minhas indagações
silenciosas, mas o que mais me intrigou foi o fato de que, ao mesmo tempo em
que o livro fora abandonado por alguém, por outro lado, outra pessoa comprovava
o quanto a leitura é valiosa e interessante, fazendo-a, até mesmo, voejar num
mundo diferente. Ou Maria pertencia mesmo a outro mundo? São tantos os
mistérios que nos permeiam...
E por muitas esquinas vagueiam tantas outras Marias dos anjos e santas,
ao sopro do vento, esquecidas ao nada, como se estivessem apenas passeando pela
Terra, sob a acalentura do sol e a luz do prado.
Autoria: Antenor Rosalino
Imagem da Internet
Lindo, profundo e emocionante seu conto. Ao lê-lo, uma verdade foi ficando clara na minha mente: a leitura é tão ampla, profunda e reflexiva, ela não escolhe cor, credo nem muito menos condição social.
ResponderExcluirAbraços
Que bom saber que tenha gostado, Lucia. A leitura tem mesmo esse poder e, inquestionavelmente, é o único meio para transformar o mundo. Obrigado e um terno abraço.
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