quinta-feira, 7 de setembro de 2017

AS LEITURAS DE MARIA


                                                             


 Descontraído, ao sair de um shopping, meu olhar se perdia pelo circunstancial até encontrar, na calçada, uma pobre mulher maltrapilha, acompanhada de um cachorro que demonstrava até alegria, contrapondo-se à tristeza estampada no rosto de sua dona.
  O que me surpreendeu e muito, foi o fato dessa mulher estar lendo um velho livro, entre as muitas quinquilharias ao seu redor.
  Comovido, procurei aproximar-me com o intuito de esperar por alguns instantes até que ela tirasse os olhos do livro para que eu pudesse lhe falar. Em poucos minutos isso aconteceu. Então, quando estava pronto para lhe dirigir a palavra ela me fitou com firmeza, mas demonstrando melancolia e disse:
  - Êta! Lá vem mais um pra debochá só porque tô lendo. – Ao mesmo tempo, foi posicionando-se para sair quando lhe interpelei, calmamente, dizendo:
  - Minha senhora, pelo contrário, gostaria de te elogiar, procurar saber o que estava lendo, saber o teu nome, enfim, a gente poderia conversar um pouco. Gosta muito de ler?
  Com essas palavras, consegui persuadi-la a ficar. Então, para minha surpresa, ela dirigiu-me longa resposta, afirmou chamar-se Maria dos Anjos e que a leitura era o seu maior prazer, pois a levava para o mundo no qual ela vivia de fato, distante da Terra onde as pessoas dificultam as coisas e deveriam ser mais caridosas entre si.
   Quanto ao livro, disse-me tê-lo encontrado no lixo assim como outros que possuía. Tratava-se do antigo livro de autoajuda: “Como fazer amigos e influenciar pessoas”, de Dale Carnegie. É um belo livro que, como o próprio titulo diz, traz preciosos ensinamentos sobre o trato com as pessoas e o valioso poder de transformação que um incentivo pode proporcionar.
  Após a resposta, antes que eu pudesse saber mais sobre ela, ajudá-la de alguma forma, orientá-la para alguma entidade beneficente de assistência social, ela se foi de forma repentina, dizendo-me por fim: “o senhor é um homem bom”.
  Fiquei, então, pensativo imaginando o quanto me proporcionou reflexão aquele inesperado encontro. A misteriosa mulher tinha mistura de cabelos pretos e grisalhos, possuía ostensivas rugas, mas possuía traços bonitos, rosto angelical e olhos claros. O que a teria feito viver daquela forma? O que ela desejou dizer ao insinuar que seu mundo era outro? E como pode um livro tão valioso e ainda em bom estado de conservação ir para o lixo?
  Eram muitas as minhas indagações silenciosas, mas o que mais me intrigou foi o fato de que, ao mesmo tempo em que o livro fora abandonado por alguém, por outro lado, outra pessoa comprovava o quanto a leitura é valiosa e interessante, fazendo-a, até mesmo, voejar num mundo diferente. Ou Maria pertencia mesmo a outro mundo? São tantos os mistérios que nos permeiam...
E por muitas esquinas vagueiam tantas outras Marias dos anjos e santas, ao sopro do vento, esquecidas ao nada, como se estivessem apenas passeando pela Terra, sob a acalentura do sol e a luz do prado.


Autoria:  Antenor Rosalino
Imagem da Internet



2 comentários:

  1. Lindo, profundo e emocionante seu conto. Ao lê-lo, uma verdade foi ficando clara na minha mente: a leitura é tão ampla, profunda e reflexiva, ela não escolhe cor, credo nem muito menos condição social.
    Abraços

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  2. Que bom saber que tenha gostado, Lucia. A leitura tem mesmo esse poder e, inquestionavelmente, é o único meio para transformar o mundo. Obrigado e um terno abraço.

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