sábado, 30 de agosto de 2014

SOB A LUZ DAS ESTRELAS



                                           
                                                       

  Certo dia, num desses momentos em que as lembranças do passado longínquo afloram-me à mente, recordei-me de uma circunstância um tanto reflexiva, ocorrida há várias décadas, na minha juventude...
  Era domingo...  A chuva caía mansamente durante a noite. Eu, sozinho, caminhava apressadamente, parando aqui e ali, evitando a chuva que a cada passo, aumentava mais e mais.
   Ao virar uma esquina, deparei-me com alguns amigos, jovens como eu, com os mesmos sonhos, os mesmos anseios e as mesmas esperanças que eu. Conversávamos animadamente quando, de repente, surgiu-nos à frente um homem barbudo, na verdade, era um mendigo, o qual, dirigindo-se a nós timidamente, pediu-nos um auxílio, alegando ser desprovido pela sorte e estar com muita fome. Compadecidos com a cena, ofertamos-lhe algum dinheiro, em esperança de ajudar o infeliz. Após o seu rápido murmúrio de agradecimento, o mendigo, para nossa surpresa e estarrecimento, entrou no primeiro bar à vista, e percebemos que o mesmo não foi sanar a fome que, pelo visto, o devorava, mas sim, tomar demoradamente algumas boas doses de cachaça.
  Entreolhamo-nos admirados, com um sentimento indecifrável de repúdio e, ao mesmo tempo, penalizados pelo ato tão reprovável. Finalmente, contemplamos com tristeza aquele pobre homem, desfavorecido pela sorte, sem anseios, sem ilusões e, aparentemente, sem mais esperanças.                                   
  No céu, algumas estrelas ainda flamejavam na noite de chuva fina, enquanto os nossos pensamentos de jovens uniam-se fazendo a mesma pergunta: Por que ele vive assim? Mas, enquanto assim pensávamos, esquecíamos de que ele também foi jovem como nós, e qualquer pessoa está sujeita a tais vicissitudes da vida.
  São, de fato, infindáveis os casos tristonhos de tantos indivíduos que se desvirtuam, indiferentes ao fato de que os obstáculos existem para ser transportados e é preciso sensatez e serenidade para o enfrentamento das inevitáveis adversidades. Alguns, lamentavelmente, já vêm de submundos de marginalidades; outros, porém, deixam-nos perplexos por assumirem atitudes incondizentes em relação ao seu histórico familiar. E mesmo aqueles que se dizem bem nascidos e afortunados podem vir a ser levados pelas águas do mar desses infortúnios, onde navegam histórias das mais curiosas e surpreendentes de desilusões motivadas pelo vício das drogas e do álcool. E essas pessoas, quando desprovidas de forças ou esclarecimento necessário para se reerguerem no afã de uma nova vida, entregam-se também, definitivamente, ao vício da conformação para viver  apenas a angustiosa espera do suspiro final.



Autoria:  Antenor Rosalino

imagem da internet

                                                   


2 comentários:

  1. Boa tarde meu amigo Antenor.
    Realmente, essa é uma imagem que não se assenta em meus olhos, a preferência pela solidão, abandono, um viver tão precário... Parece-me mais um aborto da própria vida.
    Teu texto narra o olhar delicado de quem enxerga o outro, reduzindo as suas misérias, muito lindo, parabéns!
    Um beijo imenso nesse coração que amo, lu.

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    1. Bom dia, Lucy Mara! Intriga mesmo tais situações de abandono à própria vida, o que leva a família também a uma tristeza profunda. E esse problema social se agrava, poreocupa e assombra.
      Sou muito grato por sua valiosa amizade e pelo carinho do seu icentivo.
      Afetuoso abraço, querida amiga, e profunda paz!

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